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Nota de falecimento – Humberto Torloni

Categoria: Área Pública Publicado por: admsbp Publicado em: 05/05/2017

É com enorme pesar que a Sociedade Brasileira de Patologia comunica a toda a comunidade de patologistas brasileiros o falecimento, nesta triste tarde, do Prof. Dr. Humberto Torloni.

Dr. Torloni graduou-se em Medicina em 1948 pela Escola Paulista de Medicina, onde também fez residência. Completou seu treinamento em Anatomia Patológica na Universidade de Washington. Em 1962, iniciou sua carreira internacional, primeiro como médico patologista na Unidade de Câncer da Organização Mundial da Saúde em Genebra e, posteriormente, em 1969, como chefe dos programas multinacionais de treinamento e pesquisas da Organização Pan-Americana da Saúde, em Washington. Retornou ao Brasil em 1977, onde foi Diretor da Divisão Nacional do Câncer, Ministério da Saúde. Em 1981, ingressou no Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer como Coordenador de Programas. Atualmente é Diretor do Centro de Pesquisas do Hospital A. C. Camargo, Fundação Antônio Prudente, São Paulo.

Ele foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Patologia, a qual presidiu entre 1977 e 1979. Atualmente, tem em seu nome a Escola de Patologia Oncológica Avançada Humberto Torloni (EPOAHT). Por toda sua vida e sua obra perante à medicina, à patologia, aos seus familiares, amigos e colegas de trabalho, demonstramos aqui nossos sinceros sentimentos.

Segue abaixo o depoimento do Prof. Dr. Fernando Augusto Soares, diretor do Departamento de Patologia do A.C. Camargo e Presidente da EPOAHT, grande admirador e amigo pessoal do Dr. Torloni:

HUMBERTO TORLONI (1924-2017)

“A patologia brasileira, e em especial o Departamento de Anatomia Patológica do A.C. Camargo, está mais triste esta tarde com ao falecimento de nosso primeiro Diretor, Prof. Dr. Honoris Causa Humberto Torloni. Fundador de nosso Departamento, da Sociedade Brasileira de Patologistas e Patrono da Escola de Patologia Oncológica Avançada deixa uma lacuna imensa em nossa memória e alma.

Dr. Torloni era filho de imigrantes, de pai italiano e mãe espanhola. Seu pai saiu da Itália ao final do século XIX, passando pelos Estados Unidos e Argentina antes de se estabelecer no Brasil. Casou-se no interior do Brasil com uma imigrante espanhola. Dr. Torloni nasceu em Bica de Pedra (hoje Itapuí) em uma família com oito irmãos e uma irmã. Fez sua formação escolar básica em Santos, mas um aspecto que nos unia. Esta formação familiar podia ser identificada claramente nas conversas com ele, com senso de humor único e peculiar.

Veio a São Paulo fazer medicina na Escola Paulista de Medicina no ano de 1942. Dizia que não entrou na faculdade de Medicina por vocação mas sim por inspiração de um de seus irmão, Dr. Hilário Torloni. Sempre ressaltava sua origem trabalhadora e que todos os irmãos se uniam como professores da Escola de Comércio “Barão de Mauá” no Brás para que com os rendimentos pudessem pagar os estudos dos irmãos mais novos. Todos os dez irmãos se formaram em curso superior, um fato extraordinário para a época. Um de suas histórias favoritas era que um dia o pai, como bom contador, mostrou a ele o quanto ele havia gastado na formação de cada filho. E concluía: “se eu tivesse guardado todo este dinheiro seria um homem rico cercado de burros”. Esta pequena história realça toda a importância que o Dr. Torloni dava a educação e o ensino.

A primeira vez que ouvi falar sobre Dr. Torloni foi justamente em virtude desta Escola de Comércio. Uma pessoa ligada a mim nos anos 80 soube que tinha iniciado a residência médica em anatomia patológica. E me perguntou se eu conhecia o Prof. Torloni, professor da Escola que ele tinha se formado contador. Eu não tinha a menor ideia de quem era, especialmente porque era um recém-egresso da escola médica. Neste dia fui procurar alguma coisa sobre ele, e com as dificuldades de levantamento bibliográfico da época, pouco fiquei sabendo. Mas quando da apresentação do meu primeiro seminário tive que selecionar alguns diapositivos. Na época, a fonte de microfotografias mais clássicas sobre a histopatologia dos tumores estava em coleções da classificação de tumores da O.M.S. E quando abro o livro vejo que a editoria desta preciosa coleção, distribuída mundialmente, era do Dr. Torloni. Isto nos leva a esta magnífica obra de Classificação dos Tumores, paixão que Dr. Torloni carregou até o dia que ficou doente. Em 1962 deixou a direção do departamento de Anatomia Patológica do A.C. Camargo, mudou-se para Genebra onde coordenou este trabalho por alguns anos. Suas histórias sobre as reuniões para organizar estas classificações me preencheram muitas tardes. Eram reuniões onde os dez maiores especialista do mundo se reuniam para acordar um nome para o determinado tumor. Ou seja, era colocar na mesma sala as maiores eminências mundiais da patologia, que como ele mesmo dizia, não concordavam com o ponto, a vírgula e muito menos o nome. Mas somente ele, com sua habilidade política, conseguiria editorar a primeira coleção dos que hoje são chamados de “blue books”.

Depois mudou-se para Washington trabalhando para a Organização Pan-Americana de Saúde, na área de educação médica. Nesta fez um trabalho seminal para a patologia latino-americana, contribuindo com o ensino de histologia em todos os países, provendo livros para as escolas médicas. Entusiasta do poder de ensino das autópsias, instrumentalizou dezenas de salas de autópsias por toda América Latina. Em seu retorno ao Brasil em 1973 trabalhou no Ministério da Saúde, na Divisão Nacional de Câncer. Neste cargo fez a ponte de interligação entre o desejo de Daniel Ludwig de abrir um Instituto de Pesquisa no Brasil e o futuro Presidente da Fundação Antonio Prudente, Prof. Ricardo Brentani. Uma vez estabelecido este vínculo, Dr. Torloni retornou ao Hospital em 1984 e foi convidado a ser Diretor Científico, cargo que prontamente rejeitou. E ficou com o cargo de coordenador de programas de ensino, justamente a sua maior paixão. E como foi dito no filme Casablanca pelo personagem Rick: “I think this is the beggining of a beautiful friendship”. Como era bom discutir com estes dois professores e Dr. Torloni com sua humildade e parcimônia sempre dizia que uma das penas que tinha na vida foi ter conhecido Prof. Brentani tão tarde.

Dr. Torloni foi fundador da Sociedade Brasileira de Patologistas em 1954. Ele tinha acabado de assumir o posto de Diretor do Departamento de Anatomia Patologia do então Instituto Central. Quando me tornei presidente da SBP ele passou a contar as primeiras reuniões dos grandes nomes da patologia Brasileira e me deu de presente os dois seminários de lâminas que foram discutidos na primeira reunião da SBP. Mais recentemente, me deu seu título de fundador da SBP, me dizendo que não poderia ter lugar melhor para guarda-lo que minha sala! Foi Presidente da SBP em 1977 e recentemente ouvi o testemunho do então presidente do congresso Dr. Helcio Miziara sobre a sua atuação dando o apoio inconteste, onde na primeira vez os Presidentes da SBP e do Congresso Brasileiro dividiam as funções.

A importância do Dr. Torloni ao hoje A.C. Camargo Cancer Center é inestimável. Inicia pela tão conhecida história da arrecadação de fundos para a fundação do hospital, onde ganhou uma boa para se especializar com o Dr. Lauren Ackerman. Passa pela organização do Departamento, sua ponte para integrar a investigação científica com a assistência médica e todos os anos se dedicando a organizar a história do hospital. E seu trabalho como educador pode ser cristalizado com a criação da Escola de Patologia Oncológica Avançada “Humberto Torloni”.

Quando cheguei em 1996, minha primeira visita oficial foi ver o Dr. Torloni. Ele estava fumando seu inseparável cachimbo e me falou “você é doido que saiu da USP para ser patologista aqui?”. E me mandou entrar e ficamos horas nos conhecendo. Obviamente, enquanto recém-chegado no Hospital e me encontrando com o primeiro diretor do Departamento, me propus a discutir com ele qualquer caso que fosse de interesse institucional e que estaria a disposição. E mais uma vez a sua inteligência e humildade se manifestou dizendo que eu tinha toda a autonomia para dirigir o Departamento como melhor eu achasse. Nunca em todo este tempo ele me pediu para ver um só caso, jamais levantou uma só dúvida sobre o trabalho dos patologistas de nosso Departamento. Uma atitude única somente vista em grandes mestres. Quando contei a ele toda minha formação científica, ele se levantou da sala dele, cruzou o corredor e entrou na sala do Prof. Brentani e disse que no dia seguinte seríamos três para ir comer dobradinha. E me falou, “se você não gosta de dobradinha, acho melhor passar a gostar”. E foi no ombro destes dois gigantes que fiz minha carreira aqui neste hospital.

Dr. Torloni um grande médico, um professor nato, sempre preocupado com o coletivo e um humanista ao colocar o paciente em primeiro lugar. Sua humildade impar pode ser resumida como ele se definia: “O Cozinheiro do Grande Hotel”.”

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